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Para conhecimento dos Clubes filiados, Órgãos de Comunicação Social e demais interessados, a Associação de Futebol de Setúbal, informa que no passado dia 5 de Julho 2003, foi lançado um Livro sobre os 75 Anos de existência da Associação de Futebol de Setúbal.

Texto de apresentação da obra: João Reis Ribeiro. 

Apresentação da obra (Pdf, 0,1 Mb)

UM DISTRITO SOB O SIGNO DO FUTEBOL de António Matos Fortuna

No tempo de duas décadas, António Matos Fortuna publicou vinte livros sobre a história e as estórias relacionadas com factos destas terras que constituem a península de Setúbal. Repito: no espaço de 20 anos foram 20 livros, isto é, contas feitas, uma média de um livro por ano, revelando memórias, esgaravatando vidas, abrindo arcas... ensinando marcas da identidade destas terras.

Este livro que aqui nos traz é então o vigésimo, fracção de sorte que ao jogo se dedica, que o futebol regional historia, em tempo mesmo a calhar, porque este trabalho pretende assinalar os 75 anos da Associação de Futebol de Setúbal, uma instituição que tem tanto tempo de vigência como o distrito que ela abarca e que, por isso mesmo, tem uma história que se lhe cola, nesta relação das instituições com as divisões político-administrativas.

É um livro de aniversário, note-se. O próprio autor o refere, já bem a meio da obra, lembrando: "estas páginas de maneira nenhuma se identificam com as de um relatório; aqui temos um livro comemorativo, cuja função, mesmo que não atingida, é diferente; por isso, as informações que expande se assemelham às notas soltas de um memorandum de apontamentos avulsos, e não a uma relação de factos ou acontecimentos atentamente ordenados". Isto é: contar a história da Associação de Futebol de Setúbal e dos seus 75 anos implicaria também seguir os meandros de todas as colectividades que fizeram com que a Associação fosse o que foi e o que é, além de obrigar às histórias pessoais dos intervenientes que constituíram ao longo do tempo a sua alma. Quero com isto dizer que a história da Associação de Futebol de Setúbal é obra para ir sendo feita, para ir sendo evocada, em momentos de exaltação da instituição e dos clubes que a compõem, em situações de aniversário. Este livro de Matos Fortuna é um contributo, um muito bom contributo, para esse percurso de descoberta da origem e da actualidade da Associação, obra a não parar, de forma a que todos os participantes, colectiva ou individualmente, revejam os contributos dos seus pares, sejam eles contemporâneos ou antepassados. É que a história de uma Associação de Futebol não se pode medir apenas pelo desempenho demonstrado pelos golos, pelas arbitragens, pelos dirigentes ou pelos públicos; terá de passar também pelo contributo que uma modalidade como o futebol pode trazer para a identidade de uma região e de um povo. E, neste plano, convivendo com os seus heróis e com os seus tempos, creio que este livro de Matos Fortuna faz justiça a estes considerandos. 

Distrito sob o Signo do Futebol", sendo o tal "memorandum de apontamentos avulsos", é também, sobretudo na sua primeira parte, o reviver das emoções de escrita do seu autor. Com efeito, coligir apontamentos implica gostos pessoais, que o mesmo é dizer: envolve paixões e devoções, seja por tempos, seja por ídolos (e, como sabemos, o futebol é arte e é jogo que se presta à conjugação destes vectores). O discurso de Matos Fortuna é pessoal e, ao longo do livro, não se escondem as razões das opções, da mesma maneira que a utilização da memória (ou das memórias) é associada ao recurso às fontes, sejam elas constituídas pelos jornais desportivos, sejam elas as vozes dos entendidos ou dos admiradores da modalidade. A experiência pessoal do autor vai ainda mais longe, nada escondendo ao leitor, quando na escrita revela que está a aprender porque está a escrever este livro – exemplo inequívoco transparece quando aborda a modalidade de "futsal", confessando estar a lidar com palavra "que, ainda há pouco, desconhecia por completo e relativamente à qual não encontrei explicação, nem sequer a mínima referência na meia dúzia de dicionários corrigidos e actualizados que, à pressa, mas com suficiente atenção, de propósito e a propósito, consultei". É assim a escrita de Matos Fortuna: da mesma forma que evoca com prazer a linguagem do futebol que se praticava há mais de cinquenta anos, eivada de estrangeirismos (sobretudo anglicismos, dessa Inglaterra que foi a mãe da modalidade), muitos já em desuso e outros aportuguesados, da mesma forma que isso acontece, manifesta o seu espanto por se confrontar com esta plasticidade e, ao mesmo tempo, insuficiência linguística que continua a criar palavras, mesmo num reino como o do futebol... 

Leia o leitor este livro, não como um documento oficial que faça o ponto da situação sem reservas e com certezas, mas como uma "conversa escrita" que vai brotando à medida que as lembranças vão surgindo, deixando espaços em branco, preenchendo outros quase milimetricamente, assim como quem conta histórias e se deixa enlevar por momentos, por acções, por paisagens, por tempos, por jogos. 

Contar a história da Associação de Futebol de Setúbal é também contar a história do distrito de Setúbal, pormenor determinante, de resto. O casamento que Matos Fortuna faz destas duas histórias é comedido, não levando o leitor a perder-se nas poeiras das estantes, mas conduzindo-o cautelosamente, com dose de informação quanto baste, num itinerário de construção das duas figuras – a do distrito e a da Associação. De resto, tão inseparáveis são as duas criações que, tendo o distrito nascido em 22 de Dezembro de 1926, logo a Associação foi fundada em 5 de Maio de 1927, isto é, cerca de cinco meses depois. Assim, como refere Matos Fortuna, "antes de todas as outras entidades, no âmbito sócio-comunitário do distrito de Setúbal acabado de instituir, o futebol marcou lugar primeiro nas estruturas oficiais ou oficiosas que timbravam sua actividade a nível distrital publicamente definido". Se este é um ponto absolutamente a enaltecer na construção da Associação, também neste livro não é esquecido que as construções sofrem por vezes as suas contrariedades, como foi, por exemplo, a separação operada por dois clubes do Barreiro, no início da década de trinta, que renunciaram ao seu desempenho na área distrital a que pertenciam para se deixarem seduzir pela Associação de Futebol de Lisboa... tendo mesmo o Futebol Clube Barreirense chegado a ter a sua sede nos arredores do Terreiro do Paço... 

Contar a história da Associação de Futebol de Setúbal é também contar a história dos que a fizeram, independentemente da posição em que tenham jogado – desportistas, dirigentes, árbitros, clubes, etc. Também esses perpassam por este livro, alguns em jeito de evocação, mas todos com ficha curricular desportiva adequada. E é belo ver as cartas que têm sido jogadas no âmbito da Associação, em termos de qualidade, desde que Adriano Gonçalves de Morais, em 1927, teve a presidência inaugural desta instituição! Aliás, Matos Fortuna deixa-se enlevar por este trajecto de glórias, chegando a contar vinte futebolistas do distrito entre os cem melhores do país que, em 2002, o "Record" elegeu, isto é, vinte por cento desses melhores atletas são originários da área cometida à Associação de Futebol de Setúbal, uma responsabilidade de peso pelo menos a nível de identidade! 

Interessantes também são algumas curiosidades reveladas neste livro, como aquelas que dizem respeito à caracterização do distrito em termos geográficos, históricos, demográficos, provinciais; como aquelas que saltam do arquivo da Associação (consultável no Arquivo Distrital de Setúbal), reveladas por três cartas bem espaçadas no tempo – de 1925, de 1937 e de 1979 – a contarem histórias de disputas entre clubes e do relacionamento entre os clubes e as finanças, ambas com as marcas do seu tempo, mas bem cheias de actualidade, talvez porque sejam uma constante neste mundo do desporto(!!!); como aquelas de justificar a terra do Barreiro como a melhor "fábrica de jogadores" ou a terra de Pinhal Novo como a "capital da arbitragem futebolística do distrito"; como aquelas do jogador que expulsou o árbitro do jogo ou dos regedores que intervieram na continuação dos jogos... enfim, há histórias para todos os gostos, desde o sério ao irónico, desde o deslumbrante ao patusco, desde o interessante percurso de vida até à informação elementar. 

Na segunda parte do livro, significativamente intitulada "Elementos Estatísticos e Equiparados", é permitida uma vista rápida sobre as internacionalizações de jogadores e de árbitros, assim como sobre os documentos que constituem o acervo da Associação de Futebol de Setúbal presentes no Arquivo Distrital. Não sendo extensa, favorecendo a leitura rápida, esta parte dá bem uma imagem da força do futebol a nível do distrito de Setúbal.

Finalmente, a terceira parte, intitulada "Principais Componentes da Associação de Futebol de Setúbal", onde surgem registados, na maioria com os respectivos logótipos, dados historiais sobre os 110 clubes que, no ano das bodas de diamante da Associação, a integravam. Eventualmente, muitos destes dados passarão a constituir os únicos elementos históricos que alguns clubes têm sobre si próprios. Gabe-se o esforço de saber contactos, ano de fundação, quantidade de associados, indicações sobre os respectivos campos de jogos, ainda acrescidas de curto historial ligado à origem do nome do campo... Mesmo nestas notas rápidas sobre esta mais de centena de agremiações, há lugar para pequenas histórias de cunho local, algumas bem curiosas – a data da criação da União Piedade Futebol Club ocorreu em 9 de Abril de 1914, data bem singular, porquanto se formou no ano em que teve início a Primeira Grande Guerra (1914) e no dia e mês (9 de Abril) em que, quatro anos depois, os portugueses foram fustigados na batalha de La Lys, quase no final da mesma Guerra; outra refere o facto de, habitualmente, os habitantes de Palmela serem conhecidos por "palmelões", tendo sido o clube da terra, criado em 1924, que trouxe para uso o termo "palmelense"... 

Uma referência ainda para os desenhos de Duarte Fortuna, de cunho absolutamente regionalista, retratos autênticos que justificam o título do livro, dominados pela imagem que se torna símbolo da bola, objecto a que Matos Fortuna não foi insensível, comparando-a ao mundo e traçando o seu roteiro poético: "as voltas e reviravoltas do mundo em pouco tempo" são semelhantes às da bola "que anda e desanda, salta e voa, leva pontapés e cabeçadas e, em cada jogo, é mil vezes bendita e amaldiçoada". 

A concluir, permitam-me que lhes traga à lembrança Romeu Correia, escritor destas bandas quase só lembrado na sua Almada natal. É que, em 1954, escreveu o romance "Desporto Rei", publicado no ano seguinte, obra que continua hoje a ser quase única no panorama literário ficcional português com o mundo do futebol por contexto, contando uma história de disputa local em torno de um clube que queria ascender de divisão. Mais uma característica única do mundo do desporto no distrito de Setúbal, afinal! Para lá da história, gostaria de lhes lembrar a abertura deste livro, que diz assim: "Em desporto, o desenvolvimento físico dos indivíduos importa acima de tudo. Mas, se ao aperfeiçoamento do corpo se alia o domínio dos nervos, a decisão e o espírito de equipa, que se forjam na harmonia e no ritmo dos jogos, o Homem atinge o seu apogeu físico e espiritual. O desporto só é escola de perene juventude e felicidade quando, através dele, se atinge o perfeito equilíbrio entre o músculo e o pensamento – síntese ideal que a velha Grécia nos legou no imorredoiro Discóbolo." 

E é assim! Vale a pena continuar a perseguir essa imagem do Discóbolo para que a Associação de Futebol de Setúbal continue a contribuir para a identidade que Matos Fortuna tão bem se encarregou de nos contar e que cada um dos participantes neste mundo do futebol vai construindo ano a ano. 

Muito obrigado. João Reis Ribeiro 05.Julho.2003 (no Hotel do Mar, em Sesimbra) 

Saudações desportivas.