Os registos dizem que Luís Alberto Cansado Reforço começou a atividade ligada à arbitragem, no seio da AF Setúbal, em 23 de março de 1992. Desde aí e até 8 de março de 2020, data que assinala o seu último jogo arbitrado oficialmente, foi o juiz principal em 1006 encontros, entre desafios AFS e FPF.

Licenciado em Economia, a exercer a profissão na qualidade de funcionário público, Luís Reforço terminou a carreira de árbitro com a categoria C2 (segundo patamar nacional), depois de ter atuado em quatro épocas com o estatuto de I Categoria.

A ligação à arbitragem não se fez apenas dentro dos campos de futebol e de futebol de praia, onde foi árbitro da categoria maior lusa. Entre 2008 e 2010 assumiu a presidência da Direção do Núcleo de Confraternização de Árbitros de Futebol do Barreiro.

Em discurso direto, Luís Reforço aponta motivações e liberta sentimentos vividos ao longo de uma carreira que se fechou, apenas, dentro dos campos…

 

afsetubal.pt - Já interiorizou o facto de a carreira de árbitro de futebol estar concluída?

Luís Reforço - Sim, a pouco e pouco isso vai acontecendo. Pese embora quando realizei o último jogo não sabia que era de facto o último por contingência do Covid-19.

Por isso está-me a custar mais um bocadinho. Tenho a sensação de um vazio por não ter tido a oportunidade de saber em que momento é que era de facto o último jogo.

Acho que isso se explica pelo profissionalismo e personalidade de um árbitro: o de planear, antecipar, executar, finalizar.

Teria sido importante para mim estar consciente quando seria o último jogo e de ter tido a possibilidade de ter feito a despedida num relvado. Fica a mágoa desse momento não ter acontecido.

 

28 anos passados, como recorda a sua participação e os sentimentos libertados no primeiro jogo oficial?

O meu primeiro jogo foi a 25 de outubro de 1992, no Campo 13 de Agosto, no Lavradio, Barreiro, entre as equipas do GD Quimigal e do Seixal FC, a contar para o Campeonato Distrital de Iniciados.

Recordo-me perfeitamente. Estava calmo e com dois veteranos (Alberto Rodrigues e José Matias) nas linhas laterais a fiscais de linha tinha tudo para correr bem. E, felizmente, correu.

O jogo foi muito fácil de dirigir e apenas tive de me preocupar em manter o contacto visual com os meus colegas, pois sabia que eles me ajudariam se nalgum momento algum aspeto corresse menos bem. Esse apoio foi fundamental para mim e atualmente continua a ser para a retenção dos elementos mais jovens que iniciam carreira para que se sintam apoiados, motivados e valorizados.

Luís Reforço num dos primeiros jogos em que liderou a equipa de arbitragem, o que viria a repetir-se por mais de um milhar de vezes

 

A propósito, quem ou o que lhe motivou a entrar na arbitragem?

Foram alguns amigos que moravam ao pé de mim, que tinham tirado o Curso de Árbitro no ano anterior, que ao relatarem as suas experiências motivaram-me e incentivaram-me a ir frequentar o curso em fevereiro/março de 1992.

 

O futebol de praia veio, nos últimos anos, reforçar a sua ligação ao sector. Como surge, e porquê, a adesão a esta variante?

O futebol de praia foi uma brincadeira que se tornou séria logo após o seu arranque, pois a minha ideia inicial era manter-me ativo durante o tempo em que não houvesse futebol.

Só que, como em tudo na minha vida, há um bichinho dentro de mim que se chama "competitividade" e naquilo em que participo não sei fazer de outra maneira que não seja empenhar-me o mais possível e ser o melhor profissional que possa ser. Os meus amigos até costumam dizer que "eu não sei brincar", o que é de facto algo que está na minha essência enquanto ser humano.

Tudo se iniciou no momento em que a FPF tomou conta da organização do Campeonato Nacional de Futebol de Praia em que solicitou árbitros de futebol e de futsal que estivessem dispostos a frequentar o curso para serem árbitros de futebol de praia, pois até aí as coisas funcionavam por convite e de um modo bastante amador.

Depois do curso tirado foi querer fazer sempre mais e melhor em prol desta variante que hoje em dia ainda está a um nível bastante embrionário comparativamente ao futebol.

No futebol de praia Luís Reforço (na foto, ao centro) atingiu o topo da categoria nacional


No percurso ligado à vida de árbitro, dentro ou fora dos recintos de jogo, qual foi o momento vivido de forma mais especial?

Felizmente que existiram muitos bons momentos, mas considero que ter arbitrado o jogo 1000 numa partida do Campeonato de Portugal, em janeiro de 2020, traduz muitíssimo bem e dá coerência a uma carreira que, embora não tenha sido feita maioritariamente na elite (arbitrei apenas quatro épocas na 1ª Divisão), demonstra bem uma longevidade de 18 épocas na antiga 2ª Divisão, atualmente Campeonato de Portugal. Pode não ter sido o melhor momento, mas foi sem dúvida um bem especial.

 

O que ficou por concretizar na arbitragem?

Algumas coisas... nomeadamente não ter arbitrado a final da Taça da AF Setúbal...

 


O jogo 1000 assinalado na Madeira, na partida entre o Marítimo 'B' e o Guimarães 'B' foi um dos momentos mais marcantes da carreira de Luís Reforço

 

Qual o sentimento que guarda da arbitragem?

De me ter sempre empenhado ao máximo a dar tudo de mim, quer no pré-jogo quer no próprio jogo em si, com o propósito de tudo ter feito para acertar todas as decisões que tomei ao longo da minha carreira e de nunca me ter faltado a coragem de tomar decisões, por muito impopulares que pudessem ser.

Em suma, um sentimento de dever cumprido, maioritariamente.

 

Porque é que um jovem deve tentar construir uma carreira na arbitragem?

Quem gosta da prática desportiva, e do futebol em particular, e que não consegue enveredar por uma carreira enquanto jogador pode sempre tentar fazer uma carreira na arbitragem.

Até porque acho que genericamente é assim com todos. Primeiro, querem ser jogadores. E só depois descobrem a carreira de árbitro.

Creio que a possibilidade de fazer carreira na arbitragem é uma forma da pessoa se manter ligado ao desporto que adora e poder fazer parte dele ao mais alto nível como idealizou enquanto jogador.

Por outro lado, é uma escola de vida. Onde se aprende tanta coisa que faz de qualquer um uma melhor pessoa. Eu devo muito do que sou à arbitragem, sem qualquer sombra de dúvida.

 


O árbitro Luís Reforço fecha uma carreira de quase três décadas 


Que conselho daria, hoje, a um árbitro que, por exemplo, está a meio do seu percurso?

Embora dependa muito do "meio do percurso" onde se encontre, creio que muito passará pela sua própria motivação, dedicação e empenho.

Continuo a acreditar que quem mais se dedica e se esforça em prol de objetivos mais perto estará de os alcançar.

Depois, procurar a "pontinha de sorte" que em determinado momento da carreira poderá fazer a diferença.

 

Admite continuar, de forma próxima, ligado à arbitragem?

Sim, admito continuar ligado. Até porque 28 anos não são 28 dias...

Creio que é impossível uma pessoa desligar-se num "click", ainda para mais depois de 28 anos bastante intensos a que me dediquei à arbitragem de corpo e alma muitas vezes em detrimento da família, amigos, eventos, ...

No último curso de árbitro de futebol que frequentei fui convidado pelo CA da FPF para ser Instrutor da FPF.

Entretanto, desde há duas épocas, também sou Observador da AF Setúbal.

Ou seja, creio que tudo se conjuga para continuar ligado à arbitragem, pese embora admita que é bastante mais motivador para mim a parte formativa em detrimento da vertente classificativa.

Mas o futuro a Deus pertence...

 

 

 

Fotos cedidas por Luís Reforço