Venâncio Tomé: “Cheguei onde nunca pensava ser possível”
764 jogos depois de iniciar a carreira de árbitro assistente entre a elite da arbitragem nacional e internacional, Venâncio Tomé viu travada a sua atuação oficial nos relvados pela natural imposição do limite de idade.
Aos 45 anos, o empresário de profissão ainda não caiu em si sobre o fechar de um ciclo em nome de uma causa que abraçou desde o dia 27 de novembro de 1993. Daí, quase 27 anos volvidos, até ao dia 21 de julho de 2020, altura em que soou o apito final daquele que foi o seu derradeiro jogo oficial, Venâncio Tomé correu quilómetros nos ‘pelados’ e relvados do futebol distrital, nacional e em palcos de eleição no estrangeiro.
Na hora de olhar para trás, num conjunto de respostas libertadas ao afsetubal.pt, Venâncio Tomé confessa estar positivamente surpreendido com o percurso que trilhou, o qual o levou a longínquas paragens, mas sempre com a dedicação à arbitragem bem presente.
No âmbito luso, desde que em 1997 ganhou o estatuto de árbitro assistente de I Categoria, registadas que foram 23 épocas consecutivas no topo da arbitragem, o seixalense Venâncio Tomé contabilizou um total de 684 jogos FPF e LPFP. Desta significativa quantidade de atuações, nove foram em clássicos entre SL Benfica, FC Porto e Sporting CP, um dos quais (SLB-FCP), em 2004, naquele que foi um dos pontos altos da carreira com a prestigiada nomeação para a final da Taça de Portugal.
Mas, já neste ano de 2020, em janeiro, Venâncio Tomé foi nomeado para uma meia-final da Taça da Liga, ficando por concretizar a ambição de participar no jogo de atribuição do troféu reservado ao futebol profissional.
Nos cinco anos em que exibiu as insígnias da FIFA, entre 2009 e 2013, foi nomeado para um total de 80 desafios. No Catar foi onde a arbitragem o levou mais longe, mas foi a Fase Final do Europeu Sub-21, em 2011, na Dinamarca, a prova no plano internacional de que guarda boas memórias, até porque esteve na meia-final e foi o único representante da arbitragem lusa no evento.
Fora dos relvados, Venâncio Manuel Raposo Batista Tomé é um dos nomes incontornáveis da história do Núcleo de Árbitros de Futebol de Almada/Seixal. No mais antigo núcleo de árbitros de futebol do país, começou a desempenhar cargos no seio dos órgãos sociais em 1994.
Entre 2006 e 2008 assumiu a presidência da Direção. Desde 2010 que é o líder da Mesa da Assembleia Geral.
No âmbito da AF Setúbal integra o quadro de Observadores de futebol.

Venâncio Tomé
afsetubal.pt - A bandeirola está definitivamente arrumada, no que às provas oficiais diz respeito. Já sente saudades?
Venâncio Tomé - Penso que ainda não percebi bem o que aconteceu, mas quando recomeçarem as competições decerto que irei ter saudades.
Que balanço faz a quase três décadas de uma carreira ligada à arbitragem dentro dos campos de futebol?
O balanço que faço é muito positivo. Quando tirei o curso não fazia ideia onde me estava a meter, pois foi apenas para aumentar o meu currículo, mas depois, com o passar do tempo, fui alcançando várias metas, e cheguei onde nunca pensava ser possível.
Cresci muito como pessoa, como homem, aprendi muito com todos aqueles que me acompanharam desde o distrital até ao patamar FIFA/UEFA.

A 33.ª jornada da edição 2019/20 da Liga NOS marcou a despedida de Venâncio Tomé dos relvados
Que recordações tem do primeiro jogo em que atuou?
O meu primeiro jogo foi na Quinta do Conde, uma partida do escalão de juniores, entre as equipas da AD Quinta do Conde e do GC Corroios. Era normal começarmos por jogos de camadas mais jovens, mas naquele fim de semana faltou um colega e chamaram-me a mim para completar a equipa. Estava super nervoso, mas correu muito bem.
O que o motivou a seguir uma carreira na arbitragem?
Como já referi, tirei o curso para acrescentar valor ao meu currículo, estava na área de desporto e frequentava todo o tipo de formações, até que um dia o meu pai, que tinha um colega árbitro, me disse que estava a começar um curso, e foi assim…
Completou 23 anos de árbitro assistente na primeira categoria, de forma consecutiva, e foi internacional. O que significa este registo?
Esse registo significa que me dediquei de corpo e alma a uma causa que abracei e, quando assim é, os resultados surgem naturalmente.

Venâncio Tomé (na foto, à direita) num dos primeiros jogos em que atuou com estatuto de 3.ª categoria nacional

A chegada à categoria maior da arbitragem lusa de Venâncio Tomé (na foto, à esquerda) aconteceu na época 1997/98 e prolongou-se por 23 temporadas consecutivas
A partir de casa, qual foi a viagem mais longa que fez para arbitrar uma partida?
A viagem mais longa foi realizada para arbitrar quatro jogos no Catar. Foi uma experiência inesquecível.
Qual o jogo em que gostaria de ter atuado?
Fiquei com duas finais em falta no meu currículo, a Final da Taça da Liga e a Final da Taça da AFS “Joaquim José Sousa Marques”. Gostaria muito de as ter feito.
O que guarda de mais marcante da carreira dentro dos campos?
Guardo o cheiro da relva, o ambiente antes, durante e após o jogo. Guardo a amizade dos meus colegas, de muitos jogadores e demais agentes desportivos. Nestes anos todos, cruzei-me com muita gente boa de norte a sul do país e guardo a recordação de grandes momentos que passei na arbitragem.

Venâncio Tomé exibiu as prestigiadas insígnias das FIFA entre 2009 e 2013

No plano internacional de entre os 80 jogos em que participou, 2011 foi ano marcante para Venâncio Tomé ao atuar numa meia-final do Europeu Sub-21
De que forma vai seguir ligado à arbitragem?
Ainda não pensei nisso. Quero aproveitar algum tempo com a minha família, que foi prejudicada pela minha ausência, depois logo se vê...
Que conselho daria um árbitro em início de carreira?
Primeiro, dar-lhe os parabéns pela difícil decisão de tirar o curso e depois, o melhor conselho que posso dar, é que se realmente quer abraçar esta causa que o faça de corpo e alma, por vezes com muito sacrifício, mas na certeza que se o fizer os frutos, mais cedo ou mais tarde, vão surgir.
Fotos cedidas por Venâncio Tomé